8/10/2006

Depoimento do Jonhson


Em primeiro lugar quero agradecer ao Francisco Almada pelo carinho e dedicação com que guardou por vinte anos os documentos que nos proporcionaram recuperar essa história de forma fidedigna.
Gostaria também de iniciar este depoimento citando um pensamento do ilustre poeta Mário Quintana que reflete de certa forma, a luta dos estudantes pela reconstrução do movimento secundarista após a abertura política dos anos 80:

“Se as coisas são inatingíveis... Ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!”

Para falar de como me inseri no movimento estudantil é necessário, antes, dizer como cheguei ao segundo grau. Tinha acabado de pedir baixa da Marinha do Brasil. Era o ano de 1985. Estava morando sozinho, aqui no Rio. Minha família é toda de Natal, no Rio Grande do Norte. Peguei os classificados de empregos e vi que meu primeiro grau, feito pelo supletivo do Estado, e minha experiência profissional como marinheiro só me habilitavam a ser auxiliar de cozinha ou a trabalhar em serviços gerais. Qualquer outra profissão exigia ao menos o segundo grau. Assim, depois de sete anos sem estudar formalmente, resolvi voltar aos bancos escolares. Sobrevivia fazendo entalhe e esculturas em madeira. Dava para ganhar melhor do que o salário de marinheiro. Procurei uma escola próxima a minha residência, no Boassu, em São Gonçalo. Era um colégio da rede Cenecista. Colégio Cenecista Orlando Rangel, na Praça Zé Garoto. Quando resolvi voltar a estudar levei comigo mais três amigos, que aos poucos foram desistindo; antes mesmo de terminar o primeiro semestre letivo, daquele grupo, somente eu continuava. Eram os tempos do Sarney, do Cruzado, da fila do feijão e da carne com ágio. Tempos áureos da inflação, do over night e da conta remunerada. Os dois últimos, evidentemente, não eram para mim. O colégio que escolhi aumentava o valor da mensalidade bimestralmente, e mesmo assim ainda era uma das escolas mais baratas. Contudo, não foi possível suportar mais de um ano submetido ao mercado da educação.
Fim de ano. Aprovado com notas excelentes, apto a prosseguir. Não havia dinheiro para pagar a mensalidade. Resolvi procurar uma escola pública. Um colega disse que o Liceu Nilo Peçanha, em Niterói, era uma boa escola. Fui lá pleitear uma vaga no segundo ano. Na porta principal, tinha um senhor gordo, grisalho. Perguntou-me o que eu ia fazer lá. Informei que gostaria de conseguir uma vaga, ao que respondeu que as matrículas já tinham encerrado e me impediu de entrar para falar com a diretora. Voltei para casa meio sem esperanças.
No dia seguinte coloquei dois entalhes em madeira na mão, peguei um ônibus e voltei ao Liceu. Disse ao porteiro que a diretora havia encomendado aqueles trabalhos e eu estava indo fazer a entrega. Assim pude penetrar no colégio que viria a marcar minha vida. Dirigi-me até o gabinete da diretora, Professora Maria Yvonne Valladares Silva do Amaral. Minha timidez nunca me impediu de lutar quando era preciso. Ofereci a ela os trabalhos, contei que eu mesmo fazia e perguntei-lhe se havia algum interesse em comprar. Ela me respondeu que não, mas, como estava havendo uma reunião pedagógica, havia vários professores na escola, poderia ser que alguém se interessasse. Pediu-me para que a acompanhasse até o salão nobre. Apresentou-me como se já me conhecesse há algum tempo. Ofereceu os trabalhos aos presentes. Não houve interesse, mas alguém quis saber se eu era aluno do colégio. Aproveitei a oportunidade e disse que estava ali tentando conseguir uma vaga no segundo ano.
- Maria Yvone! Alguém gritou. “Você não deu uma vaga para ele?”
- Já estou conseguindo. Disse sorrindo. Desapareceu logo após. Finda a reunião fui procurar novamente a diretora. Corri de um lado para o outro, feito sua sombra, até que ela entrou no gabinete e pediu-me para esperá-la na ante-sala. Tomei um pequeno “chá de cadeira”. Quando ela me atendeu novamente, perguntei-lhe pela vaga. “Vá à secretaria, entregue este bilhete a Aini, ela é a secretária e vai te matricular”, disse. De posse do bilhete, o resto não foi muito difícil. Estava matriculado, e ali nascia um “ingrato”, nas palavras da diretora, mas seria o primeiro passo para minha rápida trajetória de militante estudantil.